O encantador: Nabokov e a felicidade

por | 03/07/2020 | Destaque, Colunas, Lá do Leste, Resenhas | 10 Comentários

Autor(es): Lila Azam Zanganeh

Lançamento: 2013

Colagem de Danilo Pereira

Recentemente eu li um post da minha amiga Alê (Instagram: @literaleblog) em que ela compartilhava algumas lembranças, dentre elas, o fascínio que foi ter visto uma borboleta nascer na sua frente. Essa lembrança tão pura refez uma trajetória na minha memória de um tempo em que eu sonhava em ser biólogo (como diria o poeta Fernando Pessoa; “tenho em mim todos os sonhos do mundo”), no meu quintal eu vi suspensa sobre uma planta, uma crisálida se formando; a lagarta soltando a sua pele e produzindo a dura casca de seda. Todos os dias eu observava na esperança de ver um novo ser saindo daquele casulo. Tinha dias em que eu mexia com um lápis na ânsia de acelerar a etapa. Mas a crisálida se mantinha intacta. Silenciosa. Um dia eu cheguei da escola e o casulo havia se rompido. Nem sequer a borboleta eu vi. Só me lembro da misteriosa crisálida vazia e que a guardei dentro de um livro. Começo esse texto falando de um ser que sua característica é a metamorfose porque o livro dessa semana tem o mesmo efeito transformador.

“O Encantador” (2013), da autora franco-iraniana Lila Azam Zanganeh (editora Alfaguara), tem o poder de encantar qualquer leitor. Para isso ela usa a figura do escritor Vladimir Nabokov. Sua vida, escrita, estilo e livros são as ferramentas que Lila usa para abordar o encanto que literatura pode fornecer. Segundo a autora “A leitura reencanta o mundo”; Misturando ficção com biografia, ensaio com poesia, até mesmo uma entrevista com o Nabokov a autora cria a partir de fragmentos de falas do próprio Vladimir Nabokov.

“– O que a América significou para você como exilado russo?
Em minha Memória, equiparo a intrincada concepção de um problema no jogo de xadrez com o exílio, e penso na solução enganosamente simples como a jogada final que alcancei por caminhos sinuosos: América! Não vou negar, em minha vida adulta fui mais feliz na América do que em qualquer outro lugar”. (pág. 166)

Lila de desdobra em um texto cheio de experimentação. Cada capítulo é um estilo diferente. Nabokov, em “O encantador” é como Virgílio para Dante em a Divina Comédia; um guia! Um guia repleto de luz em busca de uma felicidade através da literatura:

“Os escritores, VN pensava, podem ser Professores, Narradores ou Encantadores. O verdadeiro escritor, o Encantador, é um ‘sujeito que faz os planetas girarem’. Ante o caos primevo, ele diz vai!, deixando o mundo piscar e amalgama-se”. O Encantador, então recompõe átomos, mapeia seu próprio mundo e nomeia uma miríade de objetos dentro dele.” (pág. 137)

Confesso que li pouco de Nabokov na minha vida, mas depois dessa leitura, estou completamente incentivado a experimentar a obra desse autor; que gostava de falar de luz e caçar borboletas.

O encantador, edição da Alfaguara (2013)

Caçar borboletas. E de pensar que uma leitura

segue a mesma transformação desse ser. Nasce um leitor, meio desajeitado escolhe um livro, se alimenta dele, às vezes a leitura é uma forma de rastejar sobre o mundo. Desatrelamo-nos de várias coisas. Fechamos em nossas crisálidas munidas de sentidos e sentimentos. Esperamos. Ao final da leitura há uma transformação. Alguns ganham asas, outros, vozes. O nosso desejo é compartilhar com o mundo a nossa metamorfose. Nossas asas ainda são as palavras, as nossas cores, a linguagem.

Hoje, reconheço que aquela crisálida vazia só me ensinou que os minutos que perdemos, poderia ser momentos de felicidades. Eu sempre esperei aquela borboleta, hoje ela pousou em mim, na forma de um livro. Na forma de literatura.

 

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Danilo Pereira

Formado em Letras e pós-graduado em docência do ensino superior. Gosto de descobrir novos escritores e minha paixão é a literatura do leste europeu.

10 Comentários

  1. Marcia Aparecida

    Belíssimo post …. Encantador. Linda a comparação da metamorfose com a transformação que traz a literatura…🌱

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    • Helô Daddario

      Danilo
      Resenha boa é aquela em que o autor desperta a curiosidade no leitor e o leva, pela mão, a descobrir o desconhecido. Belo texto, como sempre.

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  2. Célia

    Que post maravilhoso! Danilo, sua capacidade de colocar em palavras o que sente com a leitura é apaixonante!

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  3. Vanessa Mota

    Parabéns pelo belíssimo texto!
    Nossa vida é uma constante metamorfose.
    Atualmente, com a pandemia é maravilhoso poder ler …. a Literatura nos salva e, ao mesmo tempo, nos aproxima das pessoas das histórias, tal qual a borboleta que se liberta do seu casulo, assim somos nós a vivenciar a Literatura.
    Gratidão 🙏💗

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  4. Simone Masruha Ribeiro

    Adorei suas analogias. Lindo texto!

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  5. Thais Bessa

    Texto maravilhoso. Aliás, tudo que o Danilo escreve me toca de forma especial. Parabéns!

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  6. Tatiana

    Quero ler Nabokov esse ano ainda! Especificamente Lolita! Como sempre bela resenha! Já te disse, aguardo seu livro de contos e ou memorias!!

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  7. Lucirlei Domene

    Crisálida….Interessante que este é o terceiro estado do ciclo da borboleta, que precisa do casulo para se desenvolver até conseguir sair, no tempo necessário, sem pressa, nem mais nem menos. Sua experiência, que você conta ainda com o olhar de menino, cheio de emoção, com aquele toque do seu momento atual onde você nos presenteia com essa maravilhosa descrição de como nasce um leitor. Deixando em nós um desejo de ler O encantador, e poder fazer uma análise, as vezes meio “desengonçadas”, que vai nos amadurecendo até que um dia chegamos perto de todo conhecimento que tem nosso Mestre Danilo Pereira. Os minutos não são perdidos, são guardados para podermos em outro momento realmente apreciar a metamorfose e sentir a felicidade que vem de outra forma, intensa, profunda.

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  8. Daiane

    Artigo incrível! Fico cada vez mais encantada com esse site é com o conteúdo. Vocês são maravilhosos.

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  9. Mônica

    Ah Danilo, teus escritos são sempre aquela delicadeza, nos trazem cor e asas também. Parabéns🤍

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